NY sunset

NY sunset

Saturday 4 June 2016

Ética - Parte II - Romana

Dando continuidade (primeiro artigo acesse aqui), pode ser destacado que o apogeu grego apresentou fortes influências sobre os principais pensadores clássicos : - Aristóteles, Platão, Sócrates. O período que vai de aproximadamente o século VII A.C. a 150 A.C. é pródigo na produção de conteúdo. 


Porém, inserido nesse período maior está o Helenismo, que compreende o interregno entre a morte de Alexandre, em 323 A.C. até a completa anexação desse império pelos romanos, em 146 A.C.. Nesta fase de transição, que significou a difusão da cultura grega, do Mediterrâneo até a Ásia Central (próximo à Índia), significou a concretização de se levar essa cultura aos territórios que eram conquistados.  Nesse período a ciência, por meio de Euclides e Arquimedes, teve seu primeiro desenvolvimento.  Sob a égide do império romano, as cidades gregas perdem sua autonomia, e seus exércitos submetem-se ao invasor ficando adstritos a funções administrativas. Restam frustradas, portanto, a questão política e sua democracia, em função da tirania e corrupção, pois a "polis" grega é subvertida por meio do emergente intercâmbio comercial influenciado por Roma.  A fragmentação do império helênico ocorre de forma mais rápida do que fora sua formação.

Vendo frustradas as possibilidades políticas, a democracia corrompida pela tirania, a pólis submetida pela força a um cada vez maior intercâmbio comercial e com influências do Oriente helenizado, e com seus exércitos sob jugo do conquistador, a filosofia grega entra em declínio, onde acaba ocorrendo um retorno ao misticismo (o que geralmente ocorre em épocas de crise), ao mesmo tempo que cria um tipo de sentimento de pessimismo e justificação, resistência e negação da realidade em que vive. Isso explicaria os diversos movimentos de idéias e seitas morais que surgem nesta época (século II a.C.), nas diversas cidades gregas: - O estoicismo, o epicurismo, o pirronismo, o ceticismo e o cinismo.

 
A Ética Romana 
A ética grega produziu enormes reflexos, por ser universalista e etnográfica (devido à expansão territorial). O cidadão grego nesse período começou a refletir sobre a vida pública e consigo mesmo, exatamente o que acontecia às suas cidades (ausência de autonomia, altos impostos, exército sob jugo e em funções administrativas), desencadeando um processo de descrença em seus mais caros valores edificados. Para compensar sua frustração, refugia-se no misticismo e num conceito de "indivíduo" como medida compensadora à sua perda de liberdade pessoal e política, acreditando numa felicidade redentora.

Zenão de Cítio
Os romanos acabaram influenciados por essa apatia grega, não conseguindo reproduzir o brilho dos gregos com nenhuma corrente de pensamento original ou inovadora, limitando-se tão somente à moral (com a adoção dos valores gregos e da filosofia do período helenístico, que prezavam). A população mais simples inclinou-se para a religião e ao misticismo, em meio à inúmeros deuses, enquanto a população mais culta voltou-se para a filosofia. Ativeram-se apenas a um conjunto de escolas e seitas filosóficas cujo elemento era o Koiné (1), que promovia a reunião (sincretismo) das doutrinas grega, romana, judaica e oriental, em que os filósofos romanos mais destacados teriam sido Sêneca (4 a 65 d.C);  Epiteto (55-135 D.C.)Marco Aurélio - imperador romano (161 e 180 d.C.), que escreveu Meditações, destacando-se assim no campo da filosofia, e Apuleio (125-180 D.C.).  

O pouco que produziram refletiu esse sentimento de decadência, impulsionados também pela própria crise de identidade romana conflagrada pela corrupção administrativa e política, bem como pelo próprio estilo degenerado de vida difundido na sociedade, como bem demonstrado pela obra Satiricon, de Petrônio.  estoicismo teve por protagonista Zenão de Cítio (336-263 A.C.), e pregava auteridade física e moral face aos sofrimentos e males do mundo, a chamada apathéa. O atingimento de uma serenidade perante o que nos circunda consoante uma "lei universal do cosmos" que rege a vida. 


Sêneca
Também Sêneca representou essa linha filosófica. Conselheiro de Nero nos primeiros sete anos como imperador romano, foi considerado modelo, vindo a influenciar no desenvolvimento da tragédia na dramaturgia européia renascentista. Tendo sido contemporâneo de Jesus Cristo, conheceu o apóstolo Paulo (Saulo), que era cidadão romano, com quem trocou cartas, cujo intercâmbio teria influenciado na assimilação pelos cristãos, no início do cristianismo, dos princípios estóicos defendidos por Sêneca, observados inclusive em muitas passagens bíblicas, através das metáforas. Tendo se interessado por fenômenos da natureza, tais cartas foram intituladas "Questões da Natureza".
Epicuro


epicurismo, trazido por Epicuro (341-371 A.C.) destacava a procura pelo prazer duradouro, somente proporcionado por uma conduta virtuosa, em que a o supremo prazer seria a natureza intelectual pelo controle dos excessos, das paixões. Assim era atingida a ataraxia, que consistia num estado de espírito de quietude, serenidade, de ausência de dor (aponia), de imperturbabilidade da alma. Foi a base para o hedonismo, linha filosófica que não distinguia os tipos de prazeres. pirronismo, foi formulado por Pirro de Élida - ou Elis - (365-275 A.C.), mas somente fundada no séc. I D.C., mas somente fundada no séc. I D.C. por Enesidemo de Cnossos (2). Prega que nenhum conhecimento é considerado seguro devido a uma incerteza, que seria imanente. O conformismo com o imediato observado pelos sentidos, a aparência das coisas e a vida em felicidade e na paz deviam ser preferidas em vez de uma busca por uma verdade  plena, pois esta seria impossível de efetivamente ser percebida pelo homem como assim lhe parecem.  

Pirro de Elis
Dessa forma, o pirronismo deu origem ao ceticismo (ou cepticismo), que professa a impossibilidade do conhecimento com uma verdade absoluta, caracterizando uma atitude de questionamento diante do conhecimento, de fatos, opiniões ou crenças estabelecidas. Passam a privilegiar o conhecimento com base no empirismo, nas evidência, e dessa forma essa corrente filosófica lança as bases do método científico como assim o conhecemos hoje. 
Antístenes

cinismo teve origens muito antes das demais linhas filosóficas, com Antístenes (445-365 A.C.), discípulo de Sócrates, ao final do século V A.C.. E estendeu-se até ao final do século V D.C, tornando-se um movimento de massa. Proveniente do termo grego kynos ("cão"), essa linha exalta as qualidades dos cães para propor uma forma de conduta humana : - Comem, dormem, procriam, fazem guarda, tudo em público, sendo dessa forma indiferentes a tudo que os cerca. Como animais, são exigentes, distinguindo entre os amigos e inimigos. Com todas essas característica, adotaram tais qualidades como pressuposto de vida em defesa da filosofia. O objetivo era atingir-se a eudaimonia (felicidade) vivendo como cães, sem conforto ou propriedades. 

Diógenes - pintura de Jean-León Gérôme - 1860

Eram extremistas quanto à filosofia de Sócrates de conhecer-se a sí mesmos. Diógenes de Sinope (412-323 A.C) foi quem levou tal filosofia mais arraigadamente, vivendo em um barril, com trapos em seu corpo e pregando pelas ruas de Atenas. Certa feita, Alexandre Magno, entrando em Atenas como conquistador com seus militares, encontrou-o em seu barril, tomando seu banho de sol. Fazendo-lhe sombra, perguntou-lhe o que desejava, que lhe seria concedido qualquer desejo; Diógenes limitou-se a responder que apenas não lhe fosse tirado o que Alexandre não o pudesse dar : 
Sou Alexandre, aquele que conquistou todas as terras. Peça-me o que quiser que eu lhe darei. Palácios, terras, honrarias, escravos ou tesouros jamais vistos. O que você quer, ó Sábio?”; 
-“Senhor, apenas não tire de mim o que não pode me dar”. (3)

O encontro entre Alexandre e Diógenes
Alexandre deixou Atenas sem nunca mais retornar, afirmando entre seus oficiais que : - "Se eu não fosse Alexandre, queria ser Diógenes"  O cinismo, como o desenvolvido por Diógenes,  foi um precedente para o desenvolvimento do anarquismo filosófico (primeiramente originado dos escritos de Aristóteles), cujas propostas, de ausência de moralidade e ilegitimidade dos governos, entre outros anti-valores, coincidiram e tiveram fulgor cada vez mais com o declínio de Roma, dando origem ao surgimento e crescimento paulatino do cristianismo.



(1) - koiné foi o primeiro dialeto comum supra-regional na Grécia, e chegou a servir como um lingua franca no Mediterrâneo Oriental e no Antigo Oriente, próximo ao longo do período romano. Foi também a língua original do Novo Testamento da Bíblia e da Septuaginta (tradução grega das escrituras judaicas). O koiné é o principal ancestral do grego moderno;

(2) - Essa corrente filosófica foi retomada na na idade média com Al-Ghazali (1058–1111) e  René Déscartes (1596-1650);

(3) - Segundo Raposo, Carlos (2009) - em https://scribatus.wordpress.com/2009/05/11/alexandre-e-diogenes-o-grande-e-o-cinico/




  

Eduardo Mendonça de Lima
Corecon-RS 6.502 

Aspirante a Oficial pela PMDF, Bacharel em Economia, pós-graduado em Administração Financeira, e em Análise, Elaboração e Avaliação de Projetos, pela FGV-Brasília. Cursou o mestrado em Economia do Desenvolvimento pela PUCRS. Ex-integrante do Geipot (Min. Transportes) e Agência Brasileira de Cooperação (Min. das Relações Exteriores). Atuou em empresas de porte do setor privado. Atualmente é avaliador de Empresas, perito judicial e docente em cursos de pós-graduação em Macroeconomia e Valuation. Ex-Conselheiro do Corecon-RS - 2010-2016.