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Wednesday 18 March 2015

O julgamento de Sócrates

Considerando a atual excrecência e sinismo das autoridades brasileiras, onde até mesmo respeitados magistrados julgam nada existir de anormal ou fatos concretos para uma mudança de governo, resta a nós imaginar o que seria mais concreto do que as confissões daqueles que hoje delatam seus chefes e os recursos desviados da Petrobrás pela operação Lava-Jato da Polícia Federal e Ministério Público.

O que seria preciso ? Um contrato de corrupção registrado em cartório, apresentando José Dirceu como intermediário direto, ou que fosse desenhado num papel uma refinariazinha com uma flexinha com cifrões, revelando uma relação promíscua com lula e dilma (e seu vestido bordado parecendo um botijão de gás com faixa presidencial) ?

Sócrates, a partir de sua atitude, revelou a grandiosidade do que são os termos "ética" e "verdade".  Palavras sem fulcro no atual momento deste país. Onde um presidente de câmara de deputados, no dia anterior, diz que ouvirá a palavra das ruas para tomar uma atitude, para no seguinte negar seu posicionamento.

Onde a lei é, de forma escancarada, negligenciada, o furto governamental torna-se institucionalizado.

Quando uma nação atinge um nível pernicioso de moralidade, resta-lhe suas Forças Armadas por salvaguarda última em defesa da democracia e preservação da ordem e das leis. Este dispositivo está previsto em nosso artigo 142 da Constituição Federal, e não deve ser confundido com ditadura. Mas ainda que seja este o termo, a tal "ditadura" de 1964 a 1984 existiu para pôr ordem na casa, e só quem é ou foi malandro costuma dessa época reclamar.

"Onde não há lei, não há salvação", já dizia Rui Barbosa.  Mas, para além disso, onde não há verdade, não há Deus !  Tenhamos presente este exemplo de retidão moral vivenciado por um dos maiores filósofos da antigüidade.

 

O julgamento de Sócrates

Sócrates nasceu em Atenas, provavelmente no ano de 470 a.C., e tornou-se um dos principais pensadores da Grécia Antiga. Filho de Sofrônico, escultor, e de Fenáreta, parteira, tentou seguir a mesma profissão de seu pai enquanto jovem.
Aprendeu Música e Literatura, mas dedicou-se inteiramente à meditação e ao ensino filosófico, sem recompensa alguma. Não se sabe ao certo quem foram seus professores de Filosofia. O que se sabe é que Sócrates conhecia as doutrinas de Parmênides, Heráclito, Anaxágoras e dos sofistas. 
Desde jovem Sócrates ficou conhecido pela sua coragem e pelo seu intelecto.  Serviu ao Exército, desempenhou alguns cargos políticos e foi sempre modelo irrepreensível de bom cidadão.
Quanto à família podemos dizer que Sócrates não teve, por certo, uma mulher ideal, senão Xântipe.   Xântipe, como esposa de Sócrates, deu-lhe três filhos, e era considerada, pelos padrões culturais da época, uma megera. O próprio Sócrates confirmou que ter aprendido a viver com Xântipe lhe permitiria ser capaz de lidar com qualquer outro ser humano, tal como se um treinador de cavalos, treinado em cavalos mais bravos, pudesse ser mais competente.   No entanto, ela também não teve um marido ideal no filósofo, que sempre estava ocupado com outros cuidados que não os domésticos. Sócrates gostava de ir a simpósios, sessões de convívio acompanhadas de bebida. Era um bebedor de renome, conhecido por permanecer sóbrio mesmo quando todos na festa já estavam completamente embriagados.

Quanto à política, foi ele valoroso soldado e rígido magistrado. Mas, em geral, conservou-se afastado da vida pública e da política contemporânea, que contrastavam com o seu temperamento crítico e com o seu reto juízo. Julgava que devia servir a pátria conforme suas atitudes, vivendo justamente e formando cidadãos sábios, honestos, temperados - diversamente dos sofistas, que agiam para o próprio proveito e formavam grandes egoístas, capazes unicamente de se acometerem uns contra os outros e escravizar o próximo.
Entretanto, a liberdade de seus discursos, a feição austera de seu caráter, a sua atitude crítica, irónica e a consequente educação por ele ministrada, criaram descontentamento geral, hostilidade popular, inimizades pessoais, apesar da sua probidade. Diante da tirania popular, bem como de certos elementos reacionários, aparecia Sócrates como chefe de uma aristocracia intelectual. Esse estado de ânimo hostil a Sócrates concretizou-se, tomou forma jurídica, na acusação movida contra ele por Meleto, Anito e Licon, três figuras importantes da época :  - de corromper a mocidade, negar os deuses da pátria introduzindo outros e de "pesquisar debaixo do solo e pelos céus", algo considerado à época como um desafio aos deuses. A defesa que Sócrates faz de si próprio é um libelo contra os que o julgaram. Digno, não pede para ser perdoado. Nesses termos, não resta saída para o tribunal que, na verdade, só pretendia refrear suas atividades. A sua morte é declarada. As autoridades fizeram vistas grossas, mas Sócrates, cidadão ateniense, preferiu não fugir.
A ACUSAÇÃO E A DEFESA
A acusação diz :
Tribunal : - "Sócrates comete crime, investigando indiscretamente as coisas terrenas e as celestes, e tornando mais forte a razão mais débil, e ensinando aos outros".  
Sócrates : -  “Mas nada disso tem fundamento, pois não instruo e nem ganho dinheiro com isso. Talvez pudessem dizer de mim: "Enfim, Sócrates, o que é que você faz? De onde nasceram essas calúnias?”.
Tribunal : - “Se suas ocupações não fossem tão diferentes das dos outros, não teria ganho tal fama e não teriam nascido acusações".
Sócrates : - “Acontece que Xenofonte, uma vez indo a Delfos, ousou interrogar o oráculo e perguntou-lhe se havia alguém mais sábio do que eu. Ora, a pitonisa respondeu que não havia ninguém mais sábio. Ao ouvir isso, pensei : O que queria dizer o deus e qual é o sentido das suas palavras? Sei bem que não sou sábio, nem muito nem pouco. E fiquei por muito tempo sem saber o verdadeiro sentido de suas palavras. Então resolvi investigar a significação do seguinte modo : Fui a um daqueles detentores da sabedoria, com a intenção de refutar, por meio deles, o oráculo e, com tais provas, opor-lhe a minha resposta : Este é mais sábio que eu, enquanto você disse que sou eu o mais sábio. Examinando esse homem - não importa o nome, mas era um dos políticos - e falando com ele, parecia ser um verdadeiro sábio para muitos e, principalmente, para si mesmo. Procurei demonstrar-lhe que ele parecia sábio sem o ser. Daí veio o ódio dele e de muitos dos presentes aqui contra mim.

Então, pus-me a considerar comigo mesmo, que eu sou mais sábio do que esse homem, pois que, nenhum de nós sabe nada de belo e de bom, mas aquele homem acredita saber alguma coisa sem sabê-la, enquanto eu, como não sei nada, também estou certo de não saber. Parece, pois, que eu seja mais sábio do que ele nisso : não acredito saber aquilo que não sei.

Fui a muitos outros daqueles que possuem ainda mais sabedoria que esse, e me pareceu que todos são a mesma coisa. Daí veio o ódio deste e de muitos outros. E então me aconteceu o seguinte : procurando segundo o critério do deus, pareceu-me que os que tinham mais reputação eram os mais desprovidos, e que os considerados ineptos eram homens mais capazes quanto à sabedoria.

Também procurei os artífices e devo dizer que os achei instruídos em muitas e belas coisas. Eles, realmente, eram dotados de conhecimentos que eu não tinha e eram muito mais sábios do que eu. Contudo, eles tinham o mesmo defeito dos poetas : pelo fato de exercitar bem a própria arte, cada um pretendia ser sapientíssimo, também, nas outras coisas de maior importância e esse erro obscurecia o seu saber.

Dessa investigação, cidadãos atenienses, tanto me originaram calúnias como também me foi atribuída a qualidade de sábio. E totalmente empenhado em tal investigação, não tenho tido tempo de fazer nada de apreciável, nem nos negócios públicos, nem nos privados, mas encontro-me em extrema pobreza, por causa do serviço do deus. Além disso, os jovens, seguindo-me espontaneamente, gostam de ouvir-me examinar os homens. Eles, muitas vezes, me imitam por sua própria conta e decidem também examinar os outros, encontrando grande quantidade daqueles que acreditam saber alguma coisa mas pouco ou nada sabem. Daí, aqueles que são examinados encolerizam-se e, por essa razão, dizem que há um tal Sócrates que corrompe os jovens.

Saibam, quantos o queiram, que por esse motivo sou odiado; e que digo a verdade, e que tal é a calúnia contra mim e tais são as causas.

Cidadãos de Atenas, creio que vocês não têm nenhum bem maior do que este meu serviço do deus. Por toda a parte eu vou persuadindo a todos, jovens e velhos, a não se preocuparem exclusivamente com o corpo e com as riquezas, como devem se preocupar com a alma, para que ela seja o melhor possível. Absolvendo-me ou não, não farei outra coisa, nem que tenha de morrer muitas vezes. Dessa forma, parece que o deus me designou à cidade com a tarefa de despertar, persuadir e repreender cada um de vocês, por toda a parte, durante todo o dia. É possível que vocês, irritados como aqueles que são despertados quando no melhor do sono, levianamente me condenem à morte, para dormirem o resto da vida”.



A CONDENAÇÃO

Sócrates : “A minha impassibilidade, cidadãos de Atenas, diante da minha condenação deriva, entre muitas razões, que eu contava com isso, e até me espanto do número de votos dos dois partidos. Por mim, não acreditava que a diferença fosse assim pequena.


Os meus acusadores pedem, para mim, a pena de morte. Que pena ou multa mereço eu? O que convém a um pobre benemérito que tem necessidade de estar em paz para lhes poder exortar ao caminho reto? Para um homem assim conviria que fosse nutrido e mantido pelo Estado. Por não terem esperado um pouco mais, vocês irão obter a fama e a acusação de haverem sido os assassinos de um sábio, de Sócrates. Pois bem, se tivessem esperado um pouco de tempo, a coisa seria resolvida por si mesma : vejam vocês a minha idade.
Talvez, senhores, o difícil não seja fugir da morte. Bem mais difícil é fugir da maldade, que corre mais veloz que a morte. Eu, preguiçoso e velho, fui apanhado pela mais lenta : a morte. Já os meus acusadores, válidos e leves, foram apanhados pela mais veloz : a maldade.
Assim, eu me vejo condenado à morte por vocês; vocês, condenados de verdade, criminosos de improbidade e de injustiça. Eu estou dentro da minha pena, vocês dentro da sua.
E estamos longe de julgar retamente, quando pensamos que a morte é um mal. Porque morrer é uma destas duas coisas : ou o morto não tem absolutamente nenhuma existência, nenhuma consciência do que quer que seja; ou, como se costuma dizer, a morte é uma mudança de existência e uma migração deste lugar para outro.
Se, de fato, não há sensação alguma, mas é como um sono, a morte é como um presente, porquanto todo o tempo se resume em uma única noite.
Se a morte, porém, é como uma passagem deste para outro lugar e se lá se encontram todos os mortos, qual o bem que poderia existir maior do que este? Quero morrer muitas vezes, se isso é verdade, pois para mim a conversação acolá seria maravilhosa. Isso constituiria indescritível felicidade.
Vocês devem considerar esta única verdade : que não é possível haver algum mal para um homem de bem, nem durante sua vida, nem depois de morto. Por isso mesmo, o que aconteceu hoje a mim não é devido ao acaso, mas é a prova de que para mim era melhor morrer agora e ser liberto das coisas deste mundo. Por essa razão não estou zangado com aqueles que votaram contra mim, nem contra meus acusadores.
Mas já é hora de irmos : eu para a morte, e vocês para viverem. Mas quem vai para melhor sorte é segredo, exceto para Deus”.
Tendo que esperar mais de um mês a morte no cárcere, o discípulo Criton preparou e propôs a fuga ao Mestre. Sócrates, porém, recusou, declarando não querer absolutamente desobedecer às leis da pátria. E passou o tempo preparando-se para o passo extremo em palestras espirituais com amigos e admiradores. Suas últimas palavras dirigidas aos discípulos, depois de ter sorvido tranqüilamente a cicuta, foram : "Devemos um galo a Esculápio".   É que o deus da medicina tinha-o livrado do mal da vida com o dom da morte. Morreu Sócrates em 399 a.C. com 71 anos de idade, em Atenas.