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Wednesday 7 January 2015

" Se melhorar, estraga ! "

Publicado no Jornal do Comércio - RS - dezembro de 2011



“ Se melhorar, estraga ! ”

O título que encabeça este artigo foi proferido pelo ministro da Economia, Guido Mantega, na terceira semana de dezembro, ao relatar o aceitável, mas reticente, índice de desemprego de novembro de 2011, de 5,2%, obtido pelo IBGE. Insinuou que uma taxa menor que a divulgada tenderia a “estragar” os bons números da economia, ao rarefazer a mão-de-obra disponível, elevando salários por conseqüência (pois ficaria muito abaixo do índice da taxa de desemprego neutro, entre 6,5% a 8,5%, banda de flutuação ao qual não há interferência sobre os salários e inflação), produzindo consumo além da oferta da indústria, impactando nos índices de inflação. Um encadeamento lógico preliminarmente consensual. Com tal fala, o ministro sugere que o país estaria em situação de “pleno emprego”. 
 

O Pleno Emprego
A expressão Pleno Emprego foi propagada pela Revolução Marginalista e origina-se na Teoria do Equilíbrio Geral, de Walras, e refere-se à plena utilização dos fatores disponíveis a preços de equilíbrio, conduzindo a economia a uma condição de equilíbrio. Teve maior difusão na variável emprego. Para Nicholas kaldor, inexistia pleno emprego porque este seria “inerentemente instável”, uma vez que se condicionava a políticas fiscais e/ou monetárias adequadas, cuja perenidade é de difícil manutenção. Para John Maynard Keynes por meio de sua Teoria Geral, também se contrapondo, em 1930 negou a certeza de que o pleno emprego é condição necessária para o equilíbrio econômico. Com a 2ª. Grande Guerra, o pleno emprego fora atingido, sendo consagrada, a partir dos EUA, uma taxa mínima equivalente a 3%, que seria perseguida por todas as outras economias do mundo ao longo dos anos.  Era explicado que esta taxa referia-se a questões sazonais e peculiaridades de cada setor, como as da agricultura e construção civil, bem como àquelas pessoas que irremediavelmente se negavam a trabalhar. Neste mesmo país fora atingida a menor taxa já registrada, de 1,2%, em 1944. Em fins dos anos 1980 e 1990, a taxa padrão de 3% de pleno emprego foi revista nos meios acadêmicos, passando-se a adotar 8% como parâmetro de “normalidade” de desemprego, ao incorporar conceitos de neutralidade quanto à inflação (taxa neutra ou taxa não inflacionária).
 
Uma visão do mundo
Antes da crise de 2008, boa parcela dos países europeus apresentava índices de desemprego reduzidos. Atualmente esses índices oscilam entre 8 a 13%, em média, chegando a 20,1% para a Espanha. Porém há países com taxas muito baixas : - Japão, 5%; Panamá, 4,2%; Suíça, 3,9%; Coréia do Sul e Brunei, 3,7%; Hong Kong, 2,3%; Singapura e Kuwait, 2,2%; Usbequistão, 1,1%; Tailândia e Bielorússia, 1%; Qatar, 0,5%; Mônaco, 0%.  O ponto comum a todos estes países reside na quantidade de anos de estudo : - Nenhum abaixo de 12 anos. Para a Coréia do Sul, 17 anos. Austrália e Nova Zelândia possuem incríveis 21 e 19 anos de estudo, respectivamente. Para o Brasil, 7,2 anos, aquém de Botswana (12 anos) e Zimbábwe (9 anos). A partir de dados do World Countryfactbook, da CIA, e rápida análise por dados em painel de 53 países selecionados (entre os quais o Brasil), cada ponto percentual (ou absoluto) de aumento nas seguintes variáveis promove redução da taxa de desemprego, em termos absolutos, como segue : - PIB (alto crescimento ainda é o fator que mais contribui para a redução do desemprego), redução de 0,78; Participação da força de trabalho na área de serviços, 5 milésimos; Investimentos em infra-estrutura como parcela do PIB, cerca de 0,04; e quantidade de anos de estudo, cerca de 0,38. Aos países que não possuem elevados PIB (pois há normalmente estabilização em percentuais baixos no longo prazo), o que tende a sustentar baixos níveis de desemprego é a quantidade de anos de estudo. Portanto, apesar de nossos gastos como parcela do PIB em educação, de 5,1%, se equivalerem aos de países ricos, o que precisa ser revolucionada é nossa pífia e indecente educação, uma vez que um cérebro bem treinado a escrever e calcular, na falta de oportunidade, gera seu próprio trabalho. Por hora, o que estraga são os gastos governamentais desmesurados, que alimentam uma dívida mobiliária crescente. Em 2011 consumiu cerca de R$ 669,52 bilhões em amortização (principal mais juros, até outubro – dívidas interna, externa, contratual e resgate de títulos do mercado - fonte : Ipeadata).
 
Eduardo Mendonça de Lima
Economista, Corecon-RS 6.502,
especializ. Adm. Financeira e  
Projetos, pela- FGV. É avaliador
de Empresas.
 
 

 

Monday 5 January 2015

Vale a pena continuar investindo em ações da Petrobras e Vale ?

Considero interessante a leitura por meio do raciocínio do economista Samy Dana, a respeito do mercado acionário e ações da Petrobrás. Neste momento conturbado,  este explica-nos de forma direta e didática como proceder na hora de investir, com a devida estratégia.

Minha opinião ? Petrobrás e Vale apresentam movimentos correlacionados. Os preços de uma puxam os preços da outra. A primeira, estatal; a segunda, privada. Porém, ambas produzem commodities, cujos preços internacionais estão em queda. Ambas respondem (ou pelo menos respondiam) por cerca de 35% de todo fluxo movimentado na Bovespa. 

 
No curto-prazo, um mal negócio. E enquanto permanecer a organização criminosa no comando, pouco ou nada mudará na Petrobrás.  No longo prazo, por ser uma estatal (apesar de quebrada, mas em se estancando sua corrupção), o valor de mercado acionário tenderá à reversão, assim como as commodities. E governos futuros nela investirão, pois é estratégica ao país. Mas para recuperar o prejuízo com a queda de 75% no valor, serão longos anos para igualar o valor perdido, para só então começar a haver algum lucro, sem considerar a inflação do período.

Opte por renda fixa (curto prazo) e ouro (médio e longo prazos).   Imóveis somente ponderando o longo prazo, e se o enfrentamento de uma possível bolha imobiliária não lhe for problema. Entre ter um papel, que, embora possa vir a recuperar o valor, mas é um papel, e um imóvel, cujo valor é determinado por questões geográficas, demográficas e econômicas, pela segurança e caráter material, e não sob a ótica do investimento, é sempre preferível.






Vale a pena continuar investindo em ações
da Petrobras e da Vale?

05/01/2015 02h00

 
Pergunta é de O. S., de Bauru (SP)

Para qualquer investimento na Bolsa, é importante considerar que o real valor da ação é aquele que o mercado está pagando no momento.

Apenas para efeitos tributários são consideradas as variações de preço. Quando é realizado o lucro, paga-se o imposto relativo. Para prejuízos, existe a possibilidade de abatimento em outro ganho.

À parte da ótica dos tributos, não vender é o mesmo que continuar a comprar diariamente ou, em outras palavras, renovar a compra da ação por seu valor atual.
 
Sua ação Vale5, assim como a Bolsa, possui um risco muito elevado. Recomendo que não ultrapasse 10% de seu patrimônio em renda variável, uma vez que o retorno esperado por esses papéis não compensa a alta volatilidade envolvida na aplicação.

 

DIVERSIFIQUE AS AÇÕES
De forma simplificada, pode ser interessante distribuir o investimento em sete ações de setores diferentes, como o bancário, o educacional e o de exportação. Dessa maneira, é possível diversificar a aplicação e diluir o risco.

O investimento em uma única ação contribui para o aumento da probabilidade de perda, pois somam-se os riscos envolvidos na Bolsa e o específico do papel. Por isso, tal formato se mostra bastante desinteressante.

Sua ação Petr4, por sua vez, conta com um risco maior que a média das ações. Isso ocorre tanto pelos recentes fatos e processos sofridos pela Petrobras, como também por se tratar de uma empresa com alta interferência estatal que nem sempre visa os interesses dos investidores.

 

AÇÃO X JURO
Não se pode esquecer que o Brasil é um país de taxas de juros altas, ou seja, um investimento em ações precisa subir consideravelmente para ser mais interessante que a renda fixa de baixo risco.  A Selic (taxa básica de juros) deve atingir 12,5% ao ano ainda no primeiro trimestre. Quando se investe em ações, portanto, perde-se a possibilidade de ganhar esses 12,5%. Assim, caso o investimento em renda variável apresente valorização inferior a esse nível, pode-se considerar que houve perda relativa, sobretudo se ponderado o risco.

 
PROTEÇÃO
Por fim, a estratégia de venda de opções de compra de ações, combinada ao posicionamento nos papéis, possibilita a minimização de riscos, pois limita as perdas e os ganhos. Nessa estratégia, é importante identificar o preço de exercício ideal para que realize um bom lucro caso o papel valorize, ou evite perdas significativas em caso de desvalorização da ação.


 
Samy Dana possui Ph.D em Business, doutorado em administração, mestrado e bacharelado em economia. Atualmente é professor na Escola de Administração de Empresas de São Paulo da FGV, criador e coordenador do Núcleo de Cultura, Criatividade e Comportamento - GVcult. É consultor de empresas nacionais e internacionais dos setores real e financeiro e de órgãos governamentais. É autor de diversos livros.

 

Saturday 3 January 2015

A junta do Motor - Saramago


 

Há leituras que pouco nos dizem. Mas há aquelas que em suas primeiras linhas nos prendem até ao fim. Pela simplicidade, pela estória conturbada que se nos apresenta, por um caráter poético, talvez, pelo conteúdo, pelo ar contemplativo, por valores envolvidos, por um “descer à alma” do escritor.


Esta pequena leitura de Saramago fez com que eu o admirasse, apesar de ter tido um primeiro contato com suas idéias por meio da película Ensaio sobre a Cegueira, brilhante filme desenvolvido por capital e elenco trinacional (Brasil, Japão e Canadá), dirigido por Fernando Meirelles, de 2008.

Por seu efetivo reconhecimento internacional em favor da prosa em língua portuguesa, em agosto de 1985 foi agraciado com o grau de Comendador da Ordem Militar de Sant'Iago da Espada, em 1995, com o Prêmio Camões, maior prémio literário da língua portuguesa, em dezembro de 1998 foi elevado ao Grande-Colar da mesma Ordem. Neste mesmo mês de dezembro também recebeu o prêmio Nobel de Literatura.


Após a publicação do “Evangelho segundo Jesus Cristo”, em 1991, começou a ser boicotado em seu país e a sofrer perseguições da Igreja Católica, sendo que em 1993 a publicação de novos livros chegou a ser proibida em Portugal.

Com este feito, e em repúdio, mudou-se para a ilha vulcânica de Lanzarote (Espanha), pertencente ao arquipélago das ilhas Canárias.

Dizia-se ateu, e foi filiado ao partido comunista de Portugal. Isto explica em parte lançar-se à escrita do livro já citado.

O que não percebeu é que, por mais que tenha expressado um olhar diferente, ousado, e para alguns, até ofensivo sobre o sagrado, em realidade sua alma ansiava pela busca do Cristo. Era um humanista acima de tudo, e refletia isso em seus escritos, esquecendo-se que sua busca já estava em sí, pois Deus concede carismas a seus eleitos. O seu era difundir esse humanismo através de seus livros.

Nasceu na cidade de Azinhaga, na região de Golegã, Portugal, em 16 de novembro de 1922. Faleceu no dia 18 de Junho de 2010, aos 87 anos de idade, na sua casa em Lanzarote onde residia com a mulher, vítima de leucemia crônica.



 

 

 
 

Publicado por Fundação José Saramago - Sexta-feira, 28 de Agosto de 2009




A junta do motor

Desde há mais de sessenta anos que eu deveria saber conduzir um automóvel. Conhecia bem, naqueles remotos tempos, o funcionamento de tão generosas máquinas de trabalho e de passeio, desmontava e montava motores, limpava carburadores, afinava válvulas, investigava diferenciais e caixas de mudanças, instalava calços de travões, remendava câmaras de ar furadas, enfim, sob a precária protecção do meu fato-macaco azul que me defendia o melhor que podia das nódoas de óleo, efectuei com razoável eficiência quase todas as operações por que é obrigado a passar um automóvel ou um camião a partir do momento em que entra numa oficina para recuperar a saúde, tanto a mecânica como a eléctrica.

Só faltava que me sentasse um dia atrás do volante a fim de receber do instrutor as lições práticas que deveriam culminar no exame e na sonhada aprovação que me permitiria ingressar na ordem social cada vez mais numerosa dos automobilistas encartados.
 
Contudo, esse dia maravilhoso nunca chegou. Não são apenas os traumas infantis que condicionam e influem a idade adulta, também os que se sofrem na adolescência podem vir a ter consequências desastrosas e, como no presente caso sucedeu, determinar de maneira radicalmente negativa a futura relação do traumatizado com algo tão quotidiano e banal como é um veículo automóvel. Tenho sólidas razões para crer que sou o deplorável resultado de um desses traumas.
 
Mais ainda: por muito paradoxal que a afirmação vá parecer a quem das íntimas conexões entre as causas e os efeitos somente tiver ideias elementares, se nos meus verdes anos não tivesse trabalhado como serralheiro-mecânico numa oficina de automóveis, hoje, provavelmente, saberia conduzir um carro, seria um orgulhoso transportador em lugar de um humilde transportado.
 
Além das operações que comecei por referir, e como parte obrigatória de algumas delas, também substituía as juntas dos motores, essas finas placas forradas de folha de cobre sem as quais seria impossível evitar fugas da mistura gasosa de combustível e ar entre a cabeça do motor e o bloco dos cilindros.
Se a linguagem que estou a usar parecer ridiculamente arcaica aos entendidos em automóveis modernos, mais governados por computadores do que pela cabeça de quem os conduz, a culpa não é minha: falo do que conheci, não do que desconheço, e muita sorte que não me ponha aqui a descrever a estrutura das rodas dos carros de bois e a maneira de atrelar estes animais ao jugo.
 
É matéria igualmente arcaica em que também tive alguma competência). Ora, um dia, depois de ter acabado o trabalho e colocado a junta no seu sítio, depois de ter apertado com a força dos meus dezanove anos as porcas que sujeitavam a cabeça do motor ao bloco, dispus-me a realizar a última fase da operação, isto é, encher de água o radiador.
 
Desenrosquei pois o tampão e comecei a deitar para a boca do radiador a água com que tinha enchido o velho regador que para esse e outros efeitos havia na oficina. Um radiador é um depósito, tem uma capacidade limitada e não aceita nem um mililitro mais do que a quantidade de água que lá caiba. Água que continue a deitar-se-lhe é água que transborda.
 
Algo de estranho, porém, se estava a passar com aquele radiador, a água entrava, entrava, e por mais água que lhe metesse não a via subir dançando até à boca, que seria o sinal de estar acabado o enchimento. A água que já vertera por aquela insaciável garganta abaixo teria bastado para satisfazer dois ou três radiadores de camião, e era como se nada.
 
Às vezes penso que, sessenta e muitos anos passados, ainda hoje estaria a tentar encher aquele tonel das Danaides se em certa altura não me tivesse apercebido de um rumor de água a cair, como se dentro da oficina houvesse uma pequena cascata. Fui ver. Pelo tubo de escape do carro saía um avultado jorro de água que, pouco a pouco, diante dos meus olhos estupefactos, foi diminuindo de caudal até ficar reduzido a umas derradeiras e melancólicas gotas. Que se passara?
 
Tinha colocado mal a junta, tapara entre a cabeça do motor e o bloco o que deveria ter aberto, e, muito mais grave do que isso, facilitara passagens e comunicações onde não deveria havê-las. Nunca cheguei a saber que voltas teve de dar a pobre água para ir sair ao tubo de escape. Nem quero que mo digam agora. Para vergonha bastou. Possivelmente terá sido nesse dia que comecei a pensar em tornar-me escritor. É um ofício em que somos ao mesmo tempo motor, água, volante, mudanças de velocidade e tubo de escape. Talvez, afinal, o trauma tenha valido a pena.
 José Saramago